Segunda escravidão, memória | e história no Vale do Paraíba || Mariana Muaze | Keila Grinberg [org.]

Nos últimos 25 anos, a pesquisa histórica transformou de maneira radical o entendimento sobre o Vale do Paraíba e a presente coletânea é testemunho disso. Segunda escravidão, memória e história no Vale do Paraíba assume a centralidade da escravidão para o entendimento das transformações pelas quais a região passou desde o século xix e dos embates pela memória vividos no presente. É preciso destacar que “escravidão” adquiriu um sentido amplo que extrapola o da posse e exploração do trabalho de pessoas escravizadas. 

A escravidão oitocentista envolveu uma política estatal de promoção da exploração do trabalho compulsório de indígenas e livres pobres, bem como a defesa da escravização ilegal de africanos trazidos por contrabando. Além disso, promoveu a geração de fortunas que permitiram aos seus detentores e descendentes alcançar posições superiores na hierarquia social, marcada pela racialização e por uma desigualdade radical. Essas fortunas alimentaram as primeiras instituições financeiras do país. Considerar a escravidão como filtro de leitura da história implica, portanto, identificar a constituição dessas fortunas e rastrear o destino do capital acumulado, tanto material quanto simbólico, e ainda entender os mecanismos estruturais que garantem a sua proteção sistemática. Em outras palavras, admitir a centralidade da escravidão nas transformações da região alcança o presente, visto que o legado dessa história ainda toca a todas as pessoas envolvidas, e não apenas aos afrodescendentes.

Na história do Brasil imperial, o Vale do Paraíba já era entendido como a região onde se constituiu uma “nobreza” em torno das fazendas cafeeiras, responsável pela liderança brasileira no mercado exportador mundial do “ouro negro”. As pesquisas recentes aqui representadas, ao fugir de leituras nostálgicas e estruturalistas, exploram a história com base em documentação inédita e muito variada, frequentemente de acervos locais riquíssimos, e assim revelam o imenso potencial de tal olhar multifacetado, conectado e crítico. — Beatriz Gallotti Mamigonian